Apesar dos fortes apelos internacionais por uma “mudança de regime” no Irã, entrevistados indicam à Sputnik Brasil não haver uma oposição forte a ponto de derrubar o atual grupo governo iraniano, que saiu ainda mais fortalecido após se mostrar capaz de defender a nação.
As últimas semanas do Irã foram marcadas por ataques dos Estados Unidos e de Israel, que buscaram minar a capacidade nuclear do país, além de assassinar altos líderes militares de Teerã.
Dentre os muitos discursos emitidos por Tel Aviv e Washington, o tema da capacidade nuclear do Irã não foi o único a ser abordado. Para muitas lideranças, desde senadores norte-americanos a até mesmo o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, o objetivo final seria uma “mudança de regime” no Irã, como aconteceu com Saddam Hussein no Iraque e Bashar al-Assad na Síria.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que os ataques não fragilizaram a atual gestão iraniana e, inclusive, deram força para o governo de Khamenei, que conseguiu resistir à investida de duas potências militares.
“O regime iraniano não caiu e é visto agora em maior proporção dentro da sociedade como um governo forte, que resiste, que defende a nação, mesmo estando em desvantagem tecnológica bélica”, disse à reportagem Jorge Mortean, mestre em estudos regionais do Oriente Médio pela academia diplomática iraniana e doutor em geopolítica pela Universidade de São Paulo (USP).
Citando a história do povo persa, que remete há mais de 2.500 anos, Mortean destacou que os iranianos têm muito orgulho das origens e de seu multiculturalismo. Apesar de ter muitas características em comum com o Iraque, o especialista acha difícil que uma ruptura com o atual governo provoque crise política como em Bagdá.
“O processo de construção de nação iraquiano é muito falho. […] Xiitas e sunitas, ainda que árabes ou curdos, não se bicam, não se entendem politicamente”, explica.
Luiz Felipe Brandão Osório, vice-diretor do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (ICHS/UFRRJ), aponta que todo governo está passível de críticas e protestos, mas que os ataques podem ter dado força à gestão.
“Considerando as circunstâncias, diria que os ataques poderiam mais fortalecer do que enfraquecer os aiatolás perante a população. […] O poderio iraniano mostrou-se maior do que muitos imaginavam, principalmente com sua artilharia aérea.”
Assim como Mortean, Osório não acredita que possa haver no Irã um episódio parecido com os vizinhos do Oriente Médio. O vice-diretor do ICHS/UFRRJ enxerga que o caso iraquiano e a malfadada ocupação estadunidense, seguida pelo domínio do Estado Islâmico (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países), pode ter servido de aprendizado para o Oriente Médio.
“Parece haver acúmulo na região que leva a uma postura mais madura de união e resistência contra as opressões e os ditames do imperialismo. E aponto não apenas a parceria dos sunitas iraquianos com os xiitas iranianos, mas a aproximação, ainda gradual, entre rivais históricos, como Arábia Saudita e Irã.”
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Qual o próximo passo político para o Irã?
Para falar do futuro político do Irã, antes precisamos comentar o passado da nação. Em 1953, a operação Ajax — um golpe orquestrado pelas inteligências dos Estados Unidos e do Reino Unido — derrubou a monarquia constitucional liderada pelo primeiro-ministro Mohammad Mossadegh.
Com isso, foi instituído um reino absoluto do xá Mohammad Reza Pahlavi, que acabou com o Congresso e proibiu os partidos políticos. Isso se seguiu até 1979, quando aconteceu a Revolução Islâmica, organizada por opositores que estavam foram do país.
À época, Ruhollah Khomeini, que se tornaria o primeiro líder supremo, prometeu que haveria liberdade partidária no Irã, diferentemente dos anos absolutistas do xá. As palavras do aiatolá, todavia, não se tornaram realidade.
Mortean conta que existem inúmeros exilados iranianos, mas não há entre eles uma linha política que os una. Enquanto uns são de esquerda, outros são liberais ou ultradireitistas, existindo até aqueles que defendem a volta do xá, dessa vez por meio do príncipe herdeiro, que está nos Estados Unidos.
A última opção pareceu a preferida dos líderes ocidentais, que deram ao suposto monarca espaço midiático para pedir que o povo iraniano se rebele contra o governo. A própria operação israelense que iniciou o conflito reflete essa mentalidade. Intitulada Leão Ascendente, seu nome faz menção à antiga bandeira monárquica iraniana.
Entretanto, Mortean explica que, apesar de 44 anos, “ainda há um trauma político, ainda tem muita gente viva daquela época que relembra o caos governamental que foi o regime dos Pahlavi e sua repressão política brutal”.
“Nunca houve uma oposição política iraniana contemporânea organizada a ponto de fazer uma contra-revolução ou conclamar uma reforma política aos moldes de uma democracia ocidental, de um sistema partidário ou separação de poderes.”
Osório tem uma linha de pensamento parecida com Mortean sobre não haver, neste momento, uma oposição forte para enfrentar o líder supremo Khamenei. Para o especialista, a queda do atual governo pode representar um “duro golpe” na luta contra o imperialismo.
“Tenta-se ressuscitar a oposição pelo resgate do antigo xá, intimamente vinculado aos Estados Unidos. O que se pode dizer com precisão é que a queda do regime iraniano seria um duro golpe para as lutas dos povos do mundo contra o imperialismo.”
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O que esperar do cessar-fogo?
No último fim de semana, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou um cessar-fogo entre o Irã e Israel. Apesar de a mídia apontar que o acordo foi infringido pelos dois lados, a calmaria surge no horizonte.
Para Mortean, cada nação tem uma vantagem neste momento: enquanto o governo iraniano ganha popularidade ao resistir aos ataques, o premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, reforça a ideia de que “só ele pode defender” os israelenses. Trump, por sua vez, consegue desviar o foco das manifestações contra as ações anti-imigração do governo estadunidense, que ganhavam força no país, sobretudo na Califórnia.
Já Osório acredita que o momento será usado por essas nações para articular e fortalecer parcerias em um conflito que pode voltar a escalar a qualquer instante.
“O momento é de muita tensão e incerteza dos próximos acontecimentos. Os países buscam, cada qual à sua maneira, articulação com os parceiros mais fortes, como Israel, os Estados Unidos e o Irã, com a Rússia.”
Com informações Site Sputnik