“Queremos melhorar os fluxos financeiros para os países que mais necessitam”, defende Haddad no G20
No cerne das discussões do G20 no Brasil, um dos temas em destaque trata da questão premente do financiamento aos países emergentes. Neste contexto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, participou da reunião da Trilha de Finanças do G20, nesta quinta-feira (14), em Brasília.
Ele destacou que muitos países enfrentam altos níveis de endividamento, limitando investimentos em setores essenciais e, dentro do atual cenário, o combate à fome e às mudanças climáticas. Um dos eixos da presidência brasileira no G20 trata da necessidade de reformas para uma distribuição mais equitativa de recursos globais, visando facilitar o acesso a financiamentos favoráveis aos países emergentes. A respeito disso, o ministro Haddad instigou que os países membros do grupo estejam unidos para promover impulso à cooperação mundial.
O ministro ainda fez um apelo para que os líderes do mundo tenham um olhar para o sistema global de resolução de dívidas, e que o processo esteja orientado para resultados. Ele defendeu que os membros do G20 podem colaborar de maneira efetiva para que haja melhoria de fluxos financeiros para os países que mais necessitam, estimulando o crescimento sustentável, a inclusão social e o desenvolvimento.
Leia o discurso completo
14 de Dezembro de 2023 – Palácio do Itamaraty – Brasília
Caras e caros deputies e delegados,
Quero começar cumprimentando todos os vice-ministros e delegados aqui presentes hoje. Sejam bem-vindos ao Brasil. Espero encontrá-los muitas vezes em 2024. Temos um longo caminho a percorrer até à cúpula de novembro do ano que vem. Desejo a todas e todos uma excelente jornada de trabalho em nosso país. Sempre que chegarem ao Brasil, saibam que são hóspedes muito estimados. A presença de cada um de vocês aqui é motivo de orgulho para o nosso país.
Ontem as senhoras e os senhores tiveram a oportunidade de ouvir as prioridades brasileiras para o G20 diretamente do presidente Lula. A luta contra a fome e a desigualdade; desenvolvimento sustentável e transição energética; e a reforma da governança global – esta é a agenda que o Brasil gostaria de avançar no G20.
Sabemos que é uma agenda ambiciosa. Sabemos também que fazê-la avançar em circunstâncias desafiadoras como as que enfrentamos atualmente não será fácil. No meu discurso em Marrakech, disse que o mundo está enfrentando uma policrise. A catástrofe ambiental bate à nossa porta. A fragmentação geopolítica está aumentando. O progresso na erradicação da fome e da pobreza extrema estagnou desde a pandemia. A desigualdade global de riqueza e de renda atingiu níveis inaceitáveis. As condições financeiras e monetárias estão mais restritivas, ninguém sabe exatamente por quanto tempo. O aumento da dívida é uma preocupação em todo o mundo. Vários países já possuem dívidas grandes demais, enquanto continuamos lutando para construir um sistema global de resolução de dívida que funcione com a velocidade e a agilidade que deveria. Os nossos bancos multilaterais e organizações internacionais não estão bem equipados para enfrentar os desafios que temos pela frente.
O Brasil assume a presidência do G20 com otimismo, mas também com senso de realismo e pragmatismo. Sabemos que o G20 é um fórum orientado para resultados e liderado pelos membros. Na trilha financeira, valorizamos as contribuições dos co-chairs e os legados de presidências anteriores. Não estamos construindo nada do zero, nem reinventando a roda, e nos comprometemos a trabalhar em estreita colaboração com os membros e organizações parceiras. Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer sinceramente à Índia pelo generoso apoio que nos ofereceu na transição para a presidência brasileira. Juntamente com a África do Sul, tenho a certeza de que esta Troika deixará um legado importante para os trabalhos do G20, criando definitivamente espaço para as antigas prioridades do Sul Global na agenda financeira internacional.
Para traduzir em ações concretas os ambiciosos objetivos de combater a fome e a desigualdade, promover o desenvolvimento sustentável e reformar a governança global, contamos com o trabalho e a dedicação de todos os membros. É aqui, no nível de deputies e delegados, em cada grupo de trabalho e força tarefa, que se concretiza o verdadeiro trabalho de construção de um mundo melhor e mais justo. Tenho plena confiança na minha Deputy, Embaixadora Tatiana Rosito, e em sua equipe, para habilmente orientar os trabalhos da Trilha de Finanças, mantendo o senso de pragmatismo – mas também a ambição política – que devem ser a marca registrada da presidência brasileira.
Senhoras e Senhores, caros Deputies e Delegados,
Não tenho tempo aqui para me aprofundar em cada uma das diferentes linhas de trabalho da Trilha Financeira. No entanto, gostaria de abordar algumas questões específicas que são particularmente caras à presidência brasileira.
No que diz respeito ao Framework Working Group, acreditamos que a desigualdade e os impactos distributivos devem ser totalmente integrados na discussão das políticas macroeconômicas, conforme previsto no compromisso assumido pelo G20 de promover um crescimento forte, sustentável, inclusivo e equilibrado. À medida que vários países adotam políticas de transição energética, devemos estar conscientes dos seus impactos distributivos globais e nacionais e de suas consequências socioeconômicas. Em suma, precisamos de soluções sistêmicas que coloquem as considerações sociais no centro do debate sobre as alterações climáticas. Além disso, os países precisam aumentar o espaço fiscal para apoiar investimentos públicos de qualidade que promovam as transformações estruturais necessárias para combater a desigualdade e impulsionar uma transição energética global justa. Gostaríamos de iniciar aqui uma conversa sobre estratégias para atrair investimentos e acelerar planos de desenvolvimento sustentável, como o plano brasileiro de transformação ecológica.
A agenda do Grupo de Trabalho sobre Arquitetura Financeira Internacional inclui vários temas relevantes. Estamos particularmente preocupados com o fortalecimento dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento para que possam tornar-se Maiores, Melhores e Mais Eficazes. Iremos nos basear no trabalho realizado pelas presidências indiana, indonésia e italiana e contribuiremos para o diálogo global em curso sobre a estratégia e a evolução da governança dos bancos multilaterais de desenvolvimento. Garantir uma verdadeira Rede de Segurança Financeira Global depende de novos fluxos concessionais, mas também do cumprimento dos compromissos de longa data dos membros das Instituições de Bretton Woods no que diz respeito à representação de mercados emergentes e das economias em desenvolvimento. Além disso, queremos abordar o peso da dívida dos países de baixo e médio rendimento de uma forma estrutural e preventiva, dando espaço aos países endividados para definirem também a agenda.
A agenda do Grupo de Trabalho de Finanças Sustentáveis é de grande relevância para o Brasil. Vemos o trabalho a ser feito aqui em 2024 como uma ponte para a COP de Belém em 2025. O Brasil inicia um ciclo de protagonismo ainda maior em termos de financiamento climático. Queremos melhorar a eficiência dos fluxos financeiros para os países que mais necessitam de recursos para proteger ativos ambientais estratégicos e cumprir as suas metas de descarbonização de forma justa e equitativa. Por essa razão, precisamos rever cuidadosamente o funcionamento dos principais fundos climáticos existentes, bem como continuar as discussões sobre o ambiente regulamentar que permitirá fluxos maciços de recursos para o Sul Global.
Estou particularmente otimista em relação à agenda do Grupo de Trabalho sobre Infraestrutura. Como vocês sabem, estamos trabalhando lado a lado com nossos co-chairs australianos há vários anos neste grupo. Durante a nossa presidência, definimos uma agenda baseada em quatro prioridades. Primeiro, o financiamento de infraestruturas resistentes às alterações climáticas. Em segundo lugar, serviços de infraestruturas e políticas de redução da pobreza. Terceiro, a mitigação dos riscos cambiais no financiamento de projetos de infraestruturas. E quarto, estratégias para a construção de infraestruturas transfronteiriças. Este é um exemplo do que consideramos uma agenda ambiciosa, mas realista, cujos resultados podem ter um impacto real.
O Grupo de Trabalho Conjunto para Finanças e Saúde continuará a melhorar o processo de avaliação da saúde global, com especial atenção às vulnerabilidades e riscos sociais e econômicos decorrentes de pandemias. Ao mesmo tempo, o Grupo de Trabalho deverá acolher novas ideias promissoras, tais como acordos de troca de “dívida por saúde”. Vemos isto como uma via para abordar as vulnerabilidades fiscais nos países de baixo renda e mobilizar recursos para investimento nos seus sistemas de saúde. Além disso, a presidência brasileira gostaria de lançar luz sobre como os determinantes sociais e ambientais impactam a saúde de grupos vulneráveis.
Por último, mas não menos importante, procuraremos expandir a Agenda Tributária Internacional para além das negociações do BEPS em curso na OCDE. Compreendo que os membros estejam empenhados nestas negociações e quero assegurar-lhes que a nossa intenção final é reforçar a solução baseada em dois pilares e alcançar um resultado satisfatório para todos. Ao mesmo tempo, ouvimos vozes cada vez mais altas do Sul Global e da sociedade civil, exigindo uma agenda fiscal internacional mais ambiciosa, incluindo a tributação da riqueza, maior transparência e outras soluções para fazer com que os mais ricos do mundo paguem a sua justa contribuição em impostos. Vindo de um processo de reforma tributária no Brasil, tenho uma convicção particularmente forte sobre a necessidade de reforçar a cooperação global nesta área.
Amanhã as senhoras e os senhores ouvirão o meu colega, Roberto Campos Neto, Presidente do Banco Central do Brasil. Não quero antecipar o seu discurso, por isso deixarei que ele comente as questões do setor financeiro e a agenda de parceria global para a inclusão financeira. Quero apenas observar que vejo um grande potencial de progresso na inclusão financeira, na agenda de criptoativos e de pagamentos transfronteiriços.
Senhoras e Senhores, Deputies e Delegados,
Tenho dito que não deveremos temer a globalização. Vindo do Sul Global, compreendo honestamente por que tantas pessoas em todo o mundo se tornaram céticas em relação à globalização, ao multilateralismo e à cooperação internacional em geral. Após as grandes esperanças das décadas de 1990 e 2000 que conduziram à crise financeira de 2008, ficou claro que o tipo de globalização que de fato estava acontecendo, baseada apenas na eficiência dos mercados e na procura de lucros cada vez mais elevados, não estava a serviço da maioria da humanidade, além de acelerar as mudanças climáticas.
A solução, no entanto, não é menos globalização e a fragmentação econômica. Em vez disso, temos de construir uma nova globalização, baseada em preocupações socioambientais – uma re-globalização socioambiental que funcione para todos e nos ajude a acelerar o desenvolvimento sustentável. Agora, mais do que nunca, construir muros e criar ilhas isoladas de prosperidade é impraticável, para não dizer imoral. Temos de enfrentar juntos os nossos muitos desafios contemporâneos e lutar para criar um mundo justo e um planeta sustentável. Os dois grupos de trabalho propostos pelo Presidente Lula para o combate à fome e o combate à mudança climática são um apelo a um G20 unido e ao alinhamento de recursos no nível de ambição esperado pelos nossos líderes. Essa é nossa chance de reconectar o Sul e o Norte globais em torno de uma agenda positiva de transformação social, econômica e ecológica.
Acredito que o G20 tem um papel fundamental a desempenhar na concepção e no impulso político desta nova agenda de re-globalização socioambiental. O trabalho das senhoras e dos senhores será fundamental para dar um impulso renovado à cooperação global em tempos de crise. Contem com a presidência brasileira do G20 para facilitar esse trabalho e ajudar a construir o consenso global que precisamos. Muito obrigado.