Diretor da Opas fala sobre mudanças climáticas e desafios da abordagem ‘Uma Só Saúde’
Por Redação Gazeta Gaúcha/ Porto Alegre
Foto: Divulgação / GOV
As mudanças climáticas têm se revelado uma das maiores ameaças à saúde pública global, causando impactos devastadores em comunidades ao redor do mundo. Desastres naturais, como as enchentes no Brasil, Indonésia e Afeganistão, e queimadas massivas na Amazônia e na Califórnia, agravam crises sanitárias e doenças preexistentes e comprometem a segurança alimentar de milhões de pessoas. Com a saúde pública mais vulnerável a esses eventos climáticos extremos, cresce a necessidade de uma resposta coordenada e integrada que envolva governos, organizações internacionais e o setor privado.
Nesta entrevista exclusiva, o diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Jarbas Barbosa, destaca a relevância da abordagem “Uma Só Saúde” como um modelo eficaz para enfrentar esses desafios. Barbosa enfatiza como essa estratégia, que integra saúde humana, animal e ambiental, pode fortalecer a capacidade dos sistemas de saúde de responder às crises climáticas e sanitárias de forma proativa.
O conceito ganha força especialmente em um momento em que doenças transmitidas por vetores, como dengue e malária, atingem níveis alarmantes em diversas regiões que antes não as registravam, amplificando os efeitos das mudanças climáticas sobre as populações mais vulneráveis.
O especialista em saúde pública reflete sobre o papel do G20 na liderança dessas discussões, ressaltando a importância de iniciativas globais que unam esforços em torno de metas comuns.
Com o Brasil presidindo o G20 em 2024, o tema das mudanças climáticas e saúde assume um novo patamar de prioridade, reafirmando a necessidade de investimentos robustos e políticas públicas que garantam a resiliência dos sistemas de saúde e a proteção das populações mais expostas aos riscos ambientais. O tema será pauta das discussões realizadas no Grupo de Trabalho de Saúde do G20, que se reunirá no final deste mês no Rio de Janeiro, reforçando a importância de unir esforços internacionalmente na interface entre saúde, meio ambiente e segurança alimentar.
Jarbas Barbosa, brasileiro com vasta experiência no setor, foi eleito diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em 28 de setembro de 2022. Médico formado pela Universidade Federal de Pernambuco e doutor em Saúde Pública pela Unicamp, teve uma carreira destacada no Brasil e internacionalmente, ocupando cargos como diretor-presidente da Anvisa e subdiretor da Opas.
Durante a pandemia de covid-19, liderou esforços fundamentais para a vacinação nas Américas e a ampliação da produção regional de vacinas. Seu trabalho é amplamente reconhecido por sua contribuição à saúde global e à vigilância epidemiológica.
Neste ano, testemunhamos graves impactos das mudanças climáticas, como as enchentes no Brasil (Rio Grande do Sul), Indonésia, Afeganistão e Quênia, bem como queimadas na Amazônia, na Europa Central e na Califórnia, por exemplo. Como essas situações afetam a saúde das populações, além do compromisso global com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de 2030?
Esse é um tema muito importante, porque cada vez mais fica evidente, inclusive com base em pesquisas científicas e estimativas, o impacto profundo que as mudanças climáticas têm trazido para a saúde. Seja pela influência direta, como, por exemplo, as mortes que ocorrem durante ondas de calor, como as indiretas – fruto da ampliação de doenças decorrentes da contaminação da água e do ar. Nesse contexto, as pessoas idosas e aquelas com doenças crônicas não transmissíveis ficam muito mais suscetíveis.
Também temos os impactos nas doenças transmitidas por vetores, como malária, dengue, Chikungunya e Zika. Nos últimos dois anos, as Américas registraram números recordes de casos de dengue. No ano passado, foram mais de 6,5 milhões, e neste ano já ultrapassamos 11 milhões de casos de dengue.
Esses impactos estão cada vez mais evidentes. Além disso, há os efeitos de eventos climáticos extremos, como secas prolongadas que levam à insegurança alimentar, ao aumento de doenças, e os incêndios, tempestades e furacões.
Esse cenário reforça que a área da saúde precisa participar ativamente desse debate, sendo parte de uma resposta multissetorial que aumente o conhecimento, implemente medidas de mitigação e adaptação e fortaleça a resiliência dos sistemas de saúde. Esses impactos negativos comprometem diretamente o cumprimento das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, especialmente para as populações mais vulneráveis, que enfrentam ainda mais dificuldades para melhorar suas condições de saúde.
A pandemia da covid-19 nos mostrou a vulnerabilidade global diante de novas ameaças à saúde, como o Mpox (varíola dos macacos) e a disseminação crescente de doenças tropicais em áreas subtropicais. Como o mundo pode se preparar para enfrentar esses novos cenários de saúde pública? E como os debates no G20 podem contribuir para uma resposta coordenada a essas crises emergentes?
O G20 tem um papel fundamental, pois envolve tanto países desenvolvidos quanto aqueles com liderança no Sul Global. Tem um papel chave para que o mundo busque consenso sobre medidas que nos preparem melhor para futuras pandemias. No campo da saúde, temos as negociações em andamento sobre o Novo Acordo ou Tratado para Pandemias, que deverá ser decidido até maio de 2025. O G20 facilita esses consensos e a discussão de temas como “Uma Só Saúde” e resistência antimicrobiana, além de ajudar na preparação dos países para emergências de saúde pública, permitindo uma detecção rápida e uma resposta eficaz.
Discutir saúde no âmbito do G20 é essencial para consolidar a visão de que saúde é um investimento estratégico. Ao investir em saúde, é possível eliminar barreiras centrais para uma sociedade mais justa e criar condições para que todas as comunidades alcancem seu pleno potencial.
Os benefícios vão além do setor da saúde: sistemas mais resilientes tornam as economias mais sólidas, gerando impactos econômicos e sociais amplos. Priorizando investimentos em saúde e integrando-os às políticas de proteção social, os países não apenas mitigam riscos e reduzem custos de saúde, mas também fomentam crescimento econômico e desenvolvimento de capital humano.
As mudanças climáticas afetam de maneira desproporcional as populações mais vulneráveis, exacerbando as desigualdades sociais. Como o G20 pode contribuir para enfrentar essas questões climáticas e, ao mesmo tempo, promover maior justiça social? De que forma atores regionais, como a Opas/OMS, podem colaborar estrategicamente nesse processo?
As mudanças climáticas agravam as desigualdades, afetando mais severamente as populações vulneráveis. Elas são as mais impactadas por doenças transmitidas por vetores, ondas de calor e insegurança alimentar, gerando um ciclo vicioso entre mudanças climáticas, enfermidade e pobreza.
Nos setores agrícola e agropecuário, as perdas previstas impulsionadas por mudanças no clima também podem intensificar a pobreza e a fome, com consequências significativas para a saúde pública.
Além disso, é importante ressaltar que a região das Américas abriga cerca de 13% da população mundial e ecossistemas vitais como a Floresta Amazônica, por isso é importante que as vozes desta região tenham um papel ativo nos esforços globais para limitar os impactos das mudanças climáticas.
Frente às mudanças climáticas, a Opas tem trabalhado no Caribe, por exemplo, para reconstruir unidades de saúde destruídas por furacões, tornando-as resilientes e operacionais durante desastres. A Opas e a OMS apoiam os países da região no fortalecimento da capacidade de resposta às mudanças climáticas.
Essa é uma crise compartilhada por todas as regiões, exigindo liderança séria do setor de saúde. A Opas está pronta para dar o apoio necessário para que os países das Américas liderem a adoção de novas estratégias para impulsionar resultados positivos e inspirar outras regiões a seguirem esse caminho.
Sob a presidência do Brasil, o G20 adotou como uma de suas prioridades o tema das mudanças climáticas e saúde, com foco em “Uma Só Saúde” e resistência antimicrobiana (RAM). Como a Opas/OMS enxerga a integração dessas discussões com outros fóruns internacionais, e qual é o impacto disso na região das Américas?
Esses dois temas são de extrema importância. Tivemos em setembro deste ano, na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, uma reunião de alto nível sobre resistência antimicrobiana. No final do encontro, os países chegaram a um consenso e houve a aprovação de uma declaração importante para avançarmos no assunto.
Se não implementarmos medidas urgentes, podemos perder completamente os ganhos que tivemos na redução da mortalidade por doenças transmissíveis. É por isso que a resistência antimicrobiana precisa de uma resposta coordenada entre saúde, agricultura e o setor privado. O conceito de “Uma Só Saúde” é a única abordagem capaz de oferecer a amplitude necessária para enfrentar esses desafios.
A região das Américas tem experiências que podem abrir caminhos e inspirar soluções para os desafios comuns a todas as regiões do mundo. Há mais de 100 anos, a Opas tem colaborado com os Estados nas medidas voltadas à fabricação de vacinas, na eliminação de doenças e na redução da desnutrição. Estamos ajudando a construir políticas globais ao mesmo tempo em que fortalecemos nossas próprias.
O conceito de “Uma Só Saúde” tem ganhado destaque por sua abordagem integrada, que reconhece as interconexões entre saúde humana, animal e ambiental. Como esse modelo pode ser uma ferramenta essencial para enfrentar desafios globais, como as mudanças climáticas e o aumento das doenças zoonóticas? E quais são as melhores práticas para sua implementação como política pública, com o apoio de organizações internacionais, para garantir que os países possam enfrentar essas ameaças de maneira eficaz e coordenada?
O conceito de “Uma Só Saúde” é a única abordagem capaz de oferecer a amplitude necessária para enfrentar os desafios atuais. Afinal, todas as grandes ameaças de saúde pública do mundo nas últimas 23 décadas nasceram por doença zoonótica, onde o vírus aprendeu a pular a barreira e passou a ser transmitido entre humanos. Com a vigilância baseada no “Uma só Saúde”, é possível ter a oportunidade de conter na fonte algumas dessas emergências e evitar milhares ou milhões de vidas, como foi o caso da COVID-19, por exemplo.
A Opas apoia muitos países da Região a adotar essa visão de “Uma Só Saúde” Atualmente, 30 países da Região têm planos nacionais em execução para incorporar esse conceito em suas agendas nacionais. As lições aprendidas e as melhores práticas da região das Américas podem ser úteis para os países membros do G20.
Em particular, a Opas tem uma experiência interessante que é o Panaftosa. O Centro Pan-Americano de Febre Aftosa e Saúde Pública Veterinária, que nasceu para a colaboração regional no enfrentamento da febre aftosa, evoluiu para uma plataforma regional de vigilância de zoonoses, de doenças transmitidas por alimentos. A cooperação técnica desenvolvida por esse centro é um exemplo prático da busca da integração entre saúde, humana, animal e ambiental nas políticas públicas. O PANAFTOSA se tornou uma plataforma onde nós compartilhamos dados, inteligência epidemiológica, análises, avaliação de risco e adoção de medidas conjuntas.
Com informações da Assessoria de Comunicação da Organização Pan-americana de Saúde (Opas)