Pesquisa com tecnologia digital, revela detalhes ocultos em livro do século 15

Redação: Gazeta Gaúcha / Portal / GZ1.com.br

Foto: Museu Nacional / Divulgação

Trabalho na Biblioteca Nacional preserva e amplia compreensão sobre “Livro de Horas dito de D. Fernando (50,1,1)”, manuscrito que é um dos mais raros do acervo.

A conservadora, restauradora e servidora da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), Isamara de Carvalho, realizou no início deste mês uma importante etapa para a elaboração de sua tese de doutorado pela UFMG. Seu estudo se concentra no percurso histórico, na caracterização material e na atribuição de valores para a preservação do “Livro de Horas dito de D. Fernando (50,1,1)”, manuscrito do século XV que está entre os acervos mais raros da FBN – entidade vinculada ao Ministério da Cultura (MinC).

Entre os dias 7 e 9 de agosto, com o auxílio do professor do Departamento de Fotografia e Cinema da Escola de Belas Artes da UFMG, Alexandre Leão, e do conservador -restaurador e aluno de mestrado, Alexandre Costa, Isamara contou com uma tecnologia antes inédita no Brasil para analisar em minúcias o Livro de Horas: a geração de Imagem Científica Multiespectral. A Escola de Belas Artes da UFMG, por meio do PrismaLAB, é a primeira instituição no país a contar com um laboratório para o emprego desta técnica, que permite a leitura de superfícies apagadas em objetos do patrimônio cultural.

A análise foi realizada na Biblioteca Nacional, com o equipamento trazido de Belo Horizonte. A missão acadêmica foi parcialmente financiada com recursos do PROEX – Programa de Excelência Acadêmica da Capes.

“Utilizamos uma câmera digital que foi modificada para captar espectros de luz que não conseguimos enxergar, como o infravermelho e o ultravioleta. Com o infravermelho, por exemplo, podemos captar imagens daquilo que está abaixo da camada de pintura, como esboços feitos com grafite ou carvão. Com o ultravioleta, é possível observar características na superfície acima da pintura, como uma camada de verniz, ou a presença de materiais inorgânicos e orgânicos, como fungos”, explica Alexandre Leão.

A técnica utiliza, ainda, um sistema de iluminação com diferentes faixas de comprimentos de onda (cores), para captação da imagem do objeto a partir da reflexão de cada cor, separadamente. Em seguida, as fotos são inseridas em um software capaz de sobrepor as diferentes imagens captadas, fazendo com que informações ocultas aos olhos humanos fiquem evidentes. O professor ressalta que a técnica é não- invasiva e não danifica as obras analisadas.

“A tecnologia que utilizamos aqui é compatível com o que há nos museus e laboratórios de países de primeiro mundo. Estamos acompanhando a evolução da tecnologia mundial e somos o primeiro laboratório a utilizar esta técnica no Brasil”, afirma Alexandre Leão.

Resultados

Isamara de Carvalho iniciou os estudos do Livro de Horas em 2019. Inicialmente, foram utilizadas técnicas como as espectroscopias de fluorescência de raios X (XRF), de refletância por fibra óptica (FORS) e microscopia óptica estereoscópica. Em 2023, as análises prosseguiram com a introdução de novas técnicas, como o mapeamento por XRF, a microscopia eletrônica de varredura e a microespectroscopia Raman.

Os resultados principais foram a identificação da maioria dos pigmentos aplicados no corpo original do manuscrito e nos elementos acrescentados posteriormente, levando à confirmação da datação do corpo original (séc. XV), cujos pigmentos são diferentes daqueles empregados nos acréscimos.

“A técnica da Imagem Científica Multiespectral nos ajuda a revelar informações sobre o percurso do Livro de Horas. Hoje, temos provas de que o livro esteve na Inglaterra. Em 1538, o Rei Henrique VIII baixou um decreto que extinguia o culto a São Thomas Becket e proibia qualquer menção ao papa. Isso explica os 8 apagamentos (rasuras) encontrados no Livro de Horas, e a retirada de dois fólios. Os trechos foram muito bem raspados, e podemos identificar isso pela análise com as luzes ultravioleta e visível rasante”, relata Isamara de Carvalho.

A coordenadora-geral do Centro de Processamento e Preservação da FBN, Gabriela Ayres, ressalta a importância do trabalho realizado: “A colaboração do PrismaLAB com a pesquisa da servidora serviu como um ponto de interseção e aprendizado para os técnicos do Laboratório de Digitalização da FBN. É fundamental destacar que, além de guardar a memória nacional, a Fundação Biblioteca Nacional também produz conhecimento por meio das pesquisas realizadas pelos seus servidores”.

“A pesquisa da servidora está em consonância com seu trabalho na instituição, na busca incessante para atender com excelência a preservação do acervo da Fundação Biblioteca Nacional”, afirma a coordenadora de Preservação, Rebeca Rodrigues. Ag GOV