Pesquisa desenvolve cultivares de porta-enxertos de maracujá resistentes à fusariose

Por Redação Gazeta Gaúcha/ Brasília/

Foto: Nilton Junqueira/ Embrapa

  • Embrapa apresenta as cultivares BRS Terra Nova e BRS Terra Boa que são originadas de espécies silvestres de maracujás e são resistentes à fusariose.
  • Doença fúngica, a fusariose provoca a morte de maracujazeiros e dizima a produção de maracujá em regiões comprometidas pela doença.
  • Pesquisas realizadas em parceria com a cooperativa Coopernova, Pesagro-Rio, Instituto Federal Fluminense e Universidade Federal Rural do Semiárido permitiram chegar às cultivares de porta-enxerto registradas no Ministério da Agricultura.
  • Uso de mudas enxertadas já vem ampliando a produção de maracujá em Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Bahia e em outras áreas comprometidas pela fusariose.
  • Cultivares de porta-enxerto BRS Terra Nova e BRS Terra Boa apresentadas em dezembro de 2024 em Mato Grosso devem permitir o retorno da cultura no estado.

Duas novas cultivares de maracujás silvestres para uso como porta-enxerto desenvolvidas pela Embrapa, em parceria com a Coopernova, estão trazendo de volta a possibilidade de produção do maracujá-azedo em Mato Grosso. Os materiais BRS Terra Nova (BRS TN) e BRS Terra Boa (BRS TB) são resistentes à fusariose, doença que dizimou os maracujazeiros no estado. Selecionadas a partir de espécies silvestres, elas servem como porta-enxerto para cultivares comerciais de maracujá-azedo.

Já validadas para o estado de Mato Grosso, essas cultivares serão apresentadas no dia 10 de dezembro em Terra Nova do Norte (MT) (veja detalhes no quadro abaixo). Outras duas cultivares, também resistentes à doença têm apresentação prevista para os próximos meses: a BRSRJ MD, validada no Rio de Janeiro em condições de Mata Atlântica, e a UFERSA BRSRM 153, validada no Rio Grande do Norte e Bahia em condições do Semiárido e Cerrado.

As novas cultivares são das espécies Passiflora nitida Kunth (BRS TN) e Passiflora alata Curtis (BRS TB). Elas foram desenvolvidas e validadas na região norte de Mato Grosso por meio de uma parceria da Embrapa e a Coopernova. Materiais selecionados de diferentes espécies e híbridos interespecíficos foram testados em áreas com problemas de fusariose de produtores rurais associados à Coopernova a partir do ano de 2008. As cultivares BRS TN e BRS TB foram as que melhor se adaptavam à região, apresentavam compatibilidade com cultivares de maracujá-azedo Passiflora edulis, mantinham-se produtivas e, acima de tudo, não apresentavam sintomas ou mortalidade por fusariose.

Foto: Gabriel Faria

 

A ação da fusariose no maracujá

Os fungos Fusarium oxysporum f. sp. passiflorae e Fusarium solani causam, respectivamente, o entupimento do sistema vascular e a podridão das raízes, levando à morte prematura das plantas. Esses fungos estão presentes no solo e aproveitam de lesões nas raízes para infectar a planta. Com o tempo ocorre o apodrecimento das raízes e a murcha das folhas, levando o maracujazeiro à morte. O controle é difícil, uma vez que não existem alternativas químicas nem outras estratégias eficazes para o manejo da doença. Além disso, o fungo pode sobreviver por muitos anos no solo, mesmo na ausência de plantas hospedeiras.

 

Ações de pesquisa começaram há 26 anos

As pesquisas que buscam desenvolver tecnologias que contribuam com o manejo dessas doenças causadas por Fusarium começaram há 26 anos, na Embrapa Cerrados (DF). Segundo Fábio Faleiro, líder do Programa de Melhoramento Genético dos Maracujás da Embrapa (PMGM), resolver o problema da fusariose sempre foi uma importante demanda dos produtores de maracujá.

“Muitos produtores desistem do maracujá por causa da fusariose. Por isso, a apresentação das primeiras cultivares de maracujás silvestres, para uso como porta-enxerto, desenvolvidas pelo PMGM representa um marco importante para a cultura no País”, afirma Faleiro, que também atua como chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Cerrados. Ele ressalta que os novos materiais foram validados em condições comerciais e registrados no Ministério da Agricultura (Mapa).

Os primeiros experimentos foram estabelecidos em 1998 pelo pesquisador Nilton Tadeu Vilela Junqueira e envolviam a identificação e o uso de espécies silvestres e híbridos resistentes à fusariose a serem utilizadas como porta-enxertos de maracujazeiro azedo. Com o início do PMGM, foram realizados cruzamentos, seleção e recombinação de genótipos promissores.

Uma rede de parcerias foi estabelecida para a realização de testes de compatibilidade com o maracujazeiro-azedo comercial (Passiflora edulis L.) para a otimização dos métodos de produção de mudas enxertadas; realização de bioensaios e validação em áreas comerciais com histórico de ocorrência de fusariose. O trabalho ainda envolveu o estabelecimento da logística de produção de sementes e mudas das cultivares desenvolvidas. Essas ações foram realizadas durante as cinco fases do programa (saiba mais aqui).

Na quinta fase do PMGM, foi realizada a finalização tecnológica de quatro cultivares de maracujás silvestres para uso como porta-enxertos resistentes à fusariose, sendo os materiais registrados no Mapa: BRS Terra Nova (BRS TN), BRS Terra Boa (BRS TB), BRSRJ Minimaracujá Doce (BRSRJ MD) e UFERSA BRS Resistente de Mossoró 153 (UFERSA BRSRM 153).

Foto: Suzinei Oliveira (enxertia)

 

Apresentação dos materiais em Mato Grosso

No dia 10 de dezembro, a partir das 8h, a Embrapa e a cooperativa Coopernova apresentarão em Terra Nova do Norte (MT), as cultivares de maracujá BRS Terra Nova e BRS Terra Boa. Indicados para uso como porta-enxerto de maracujazeiro-azedo no estado de Mato Grosso.

Haverá apresentações sobre o histórico da parceria entre a Embrapa e a Coopernova, o sistema de produção do maracujá, a doença fusariose e os resultados de pesquisa com as novas cultivares como porta-enxerto. No fim da manhã, haverá duas visitas técnicas à Coopernova e à área comercial com histórico de fusariose onde foi realizada a validação das cultivares.

Posteriormente a Embrapa informará sobre os viveiros licenciados para comercializar os novos materiais.

 

Foto: Eudes de Almeida

 

Enxertia

Diferentemente de outras frutíferas, como os citrus, mangueira e jaboticabeira, em que a enxertia é feita com uso de galhos de uma planta adulta, no maracujá é necessária a utilização de plantas jovens. Isso ocorre porque estas estão livres de vírus e ainda não possuem o caule oco, como as mais velhas. Além disso, devido à autoincompatibilidade do maracujazeiro-azedo para estabelecimento de pomares a partir de mudas enxertadas, é necessário que diferentes genótipos (obtidos a partir de sementes) sejam utilizados como copa.

Dessa forma, é feito o plantio em viveiro, por semente, tanto da cultivar que será o porta-enxerto, ou cavalo, quanto da cultivar que será a copa. As pesquisas realizadas pela Embrapa em parceria com a cooperativa Coopernova em Terra Nova Norte (MT) tiveram início em 2008 e avaliaram com sucesso o uso dos porta-enxertos Passiflora nitida cv. BRS TN Passiflora alata cv. BRS TB (veja aqui). Nos primeiros experimentos a cultivar de maracujazeiro-azedo BRS Gigante Amarelo foi utilizada como copa.

“A produtividade do maracujá enxertado não é igual ao pé franco. O pé franco tem um desenvolvimento inicial mais rápido e isso possibilita maior produtividade no início do período de produção. Mas um aspecto que não pode ser deixado de considerar é que o pé franco não sobrevive nas áreas com histórico de fusariose”, explica Givanildo Roncatto, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril (MT) e responsável pelas pesquisas em Mato Grosso.

As avaliações em áreas de produtores mostraram uma produtividade de plantas enxertadas de 28 a 30 toneladas por hectare (t/ha). Para conseguir esta produtividade, os produtores associados da Coopernova utilizam tecnologia no sistema de produção como o uso de cultivares copa geneticamente superiores, correção da acidez e fertilidade do solo, podas de formação, polinização manual, irrigação, adequada nutrição e manejo fitossanitário das plantas. Essa produtividade obtida por mudas enxertadas é o dobro da média de produtividade nacional, de 14 t/ha a 15 t/ha.

Segundo Roncatto, as pesquisas com o maracujazeiro-azedo em Mato Grosso terão continuidade com a otimização do processo de produção de mudas enxertadas e com testes de cultivares mais novas de maracujazeiro-azedo como copa e também em pé franco nas áreas sem histórico de fusariose. Givanildo acredita ainda que é possível evoluir nas pesquisas em relação às técnicas de enxertia para aumentar a produtividade das plantas enxertadas.

Posteriormente, a Embrapa e seus parceiros vão estabelecer e expandir a logística de produção e comercialização de sementes e mudas enxertadas em diferentes regiões do Brasil. Além disso, será feito o licenciamento de produtores de sementes e viveiristas que produzem mudas enxertadas, garantindo a origem genética, bem como a qualidade fitossanitária e fisiológica desses materiais. O contato desses viveiristas poderá ser obtido na página de cultivares de maracujá da Embrapa.

Foto: Silvia Campos

 

Fusariose em MT fez a maioria dos produtores abandonar a cultura

Identificada pela primeira vez na região de Terra Nova do Norte em 2005, a fusariose se tornou um problema para os produtores de maracujá. De acordo com a Coopernova, entre 2008 e 2009 mais de 300 cooperados produziam a fruta. Em dois anos, cerca de 90% deles haviam abandonado a atividade por causa da morte das plantas. O prejuízo com a perda do investimento se somou a uma capacidade ociosa de cerca de 85% da indústria de beneficiamento da Coopernova.

Nos últimos anos, já com a distribuição de mudas enxertadas, a produção de maracujá voltou a crescer no estado. De acordo com o IBGE, em 2023 a área colhida com a fruta foi de 320 hectares, em 313 estabelecimentos rurais, o que gerou uma renda de R$ 27,8 milhões, R$ 10 milhões a mais do que em 2022. A maior produção está na região norte do estado, em municípios de abrangência da Coopernova, como Guarantã do Norte, Juína, Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo e Matupá.

A família do produtor rural e produtor de polpa André Piccini foi uma das afetadas pela doença. Seu pai começou a cultivar maracujá em Terra Nova do Norte há 20 anos. Porém, a fusariose fez com que as plantas começassem a morrer. “Nessa época, ficamos sem alternativa, não tínhamos como plantar”, contou.

A propriedade dele foi umas das primeiras a testarem as novas cultivares, há oito anos. “Plantamos mil pés e tivemos muito êxito. O resultado foi fantástico”, comemora. Segundo ele, a produção é praticamente a mesma, mas com resistência à doença. “Se não fosse o maracujá enxertado não teria como cultivar. Toda a região é tomada por fusarium”. Cerca de 80% da renda da família vem da venda de polpa de maracujá.

Foto: Eudes de Almeida

MapaDescrição gerada automaticamente com confiança média

 

 

Foto: Carlos Antonio Tavora

BRS Terra Nova e BRS Terra Boa

As cultivares BRS Terra Nova (BRS TN) e BRS Terra Boa (BRS TB) foram obtidas por meio do melhoramento genético convencional visando ao aumento de produtividade, resistência à fusariose e desempenho agronômico de mudas enxertas utilizando, como copa, cultivares de maracujazeiro azedo (Passiflora edulis Sims).

 

BRS Terra Nova – a realização dos primeiros ciclos de seleção e recombinação ocorreram em 2008, utilizando acessos e populações de Passiflora nitida Kunth que ocorriam naturalmente em áreas com histórico de fusariose no Norte do estado de Mato Grosso. Cultivar registrada (RNC Nº 54599) com base nas avaliações positivas de desempenho agronômico de mudas enxertadas realizadas em áreas da Coopernova e de produtores associados com histórico de ocorrência de fusariose.

As principais características dessa cultivar trabalhadas no melhoramento genético foram a alta produtividade e germinação de sementes, a resistência à fusariose, a compatibilidade do porta-enxerto com cultivares copa de maracujazeiro azedo e o desempenho agronômico das mudas enxertadas em relação às mudas obtidas por sementes.

Além do uso como porta-enxerto do maracujazeiro azedo, essa cultivar de maracujá mexerica apresenta grande potencial de uso como planta ornamental, dentro de uma nova linha chamada ‘Fruticultura Ornamental’. Apresenta flores brancas muito bonitas e com agradável aroma e um fruto com polpa muito doce e sabor diferenciado.

                            Brs Terra  Boa – a realização dos primeiros ciclos de seleção e recombinação ocorreram também em 2008, utilizando acessos e populações de Passiflora alata Curtis que ocorriam naturalmente em áreas com histórico de fusariose no norte do estado de Mato Grosso. Cultivar registrada (RNC Nº 54600) com base nas avaliações positivas de desempenho agronômico de mudas enxertadas realizadas em áreas da Coopernova e de produtores associados com histórico de ocorrência de fusariose.

As principais características dessa cultivar trabalhadas no melhoramento genético foram a alta produtividade e germinação de sementes, a resistência à fusariose, a compatibilidade do porta-enxerto com cultivares copa de maracujazeiro azedo e o desempenho agronômico das mudas enxertadas em relação às mudas obtidas por sementes.

Além do uso como porta-enxerto do maracujazeiro azedo, essa cultivar de maracujá doce também apresenta grande potencial de uso como planta ornamental onde ocorre a produção de flores vermelho-arroxeadas muito bonitas e frutos com polpa muito doce e aromática.

 

Gabriel Faria (MTb 15.624/MG)
Embrapa Agrossilvipastoril