Refundar a indústria pesqueira gaúcha é o resgate de uma, entre tantas, dívidas do estado com a região sul

A metade sul é tratada historicamente pelo estado como sua prima pobre. Marginalizada, esquecida e atirada a própria sorte, a região parece condenada ao abandono no que concerne a prospecção e implementação de políticas públicas voltadas ao seu desenvolvimento.
Uma das alternativas que viveu seu auge na região, especialmente em Rio Grande e São José do Norte, até as décadas de 70 e 80 foi a indústria pesqueira.
No ápice este setor só em Rio Grande chegou a operar com até 46 empreendimentos, empregando aproximadamente 17 mil trabalhadores.
Em São José do Norte também existiu indústrias pesqueiras com capitais locais ou filiais de firmas riograndinas com diferentes tempos de funcionamento: Luiz Loréa (1945-1949); Ind. Humberto Ferrari e Filhos (1949 e 1971); JG Siqueira (1945-1960), E.Ballester (1950-1960), Ind. Saraiva (1962-1971) e Amaral e Irmão (1962-1971). Uma parte dessas empresas sobraram ou desapareceram com a lógica do DL 221/67 e deram lugar as filiais da Frigoria do Rio de Janeiro e da Confrio de São Paulo. A primeira operou entre 1972 e 1983 empregando até 460 trabalhadores entre fixos e temporários. A Confrio funcionou entre 1972 e 1982, com cerca de 400 trabalhadores e seu prédio foi ocupado pela fábrica de pescados Moura entre 1984 e 1995.
Um outro aspecto a ser considerado é o perfil da mão de obra deste setor, de baixa escolaridade, majoritariamente feminina e egressa das zonas periféricas, indica indubitavelmente, o valor social que estas empresas são capazes de gerar às comunidades da região.
Atualmente este parque industrial, mesmo com potencial, segue flertando com a extinção.
As gerações mais novas se perguntam por que chegamos neste estágio colapsal?
Temos mão de obra com expertise e o principal que é a matéria prima. Continuamos a produzir o pescado e o camarão em quantidade e qualidade, que saem daqui in natura, gerando riquezas para o estado de Santa Catarina.
Em face da inércia da classe política local-regional que não se organiza e nem se mobiliza, fomos engolidos pelo estado vizinho, por meio de uma política tributária competitiva e de uma logística mais atrativa pela proximidade do centro do país.
Ficamos com o espinhaço, as escamas e as cabeças dos camarões. O que tem valor vai embora para gerar emprego e renda para o estado vizinho.
Difícil de entender como um estado que diz se orgulhar de suas façanhas, pode ser tão negligente e desconsiderar um setor de elevada capacidade empregatícia como a indústria pesqueira.
Mais intrigante ainda é postura dos demais atores que praticamente abdicaram de lutar pela refundação deste importante parque industrial, especialmente a classe política.
Ninguém ousa abrir ou questionar a caixa-preta dos incentivos fiscais estaduais e federais. Estes instrumentos são os caminhos a serem percorridos para viabilizar o retorno da operação das industrias de pescados por estas bandas. Carecemos de uma política adequada de logística que reduza os custos impostos pela geografia.
O passivo estatal com a metade sul é imenso e a refundação da indústria pesqueira gaúcha precisa ser encarada como uma oportunidade para diminuir esta dívida histórica.

Por Ernani Machado