Transnordestina: Governo aposta na conclusão com fundo criado pelo congresso

Redação: Gazeta Gaúcha / Gazeta Nortnse

Portal / gz1.com.br / Foto: Ricardo Stuckert / PR

Fundo de Investimento em Infraestrutura Social (FIIS), fruto da articulação com Congresso, inclui mecanismo para fomentar recursos para obra renascida no primeiro mandato de Lula

Uma longa viagem que vai ser retomada. Na última sexta-feira, em cerimônia no Porto de Pecém, no município cearense de São Gonçalo do Amarante, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a criação do Fundo de Investimento em Infraestrutura Social (FIIS). O fundo, nascido de articulação do Governo com o Congresso Nacional, terá, entre outras aplicações, a tarefa de destinar R$ 3,6 bilhões para a volta das obras de expansão da ferrovia Transnordestina.

Essas obras devem ter início imediato, segundo o ministro dos Transportes, Renan Filho. “Estão na boca do jiqui”, disse ele durante a cerimônia, usando expressão nordestina. Jiqui é um cesto usado para carregar caça e pesca. O trecho inicial dessa retomada, informou o ministro, vai de Quixeramobim e Quixadá, é estimado em 50 quilômetros e vai demandar R$ 750 milhões de reais, sendo R$ 600 milhões oriundos do BNDES.

As obras passam pelo Porto de Pecém e incluem passarela para conectar os navios de carga aos trilhos da ferrovia, segundo informou o presidente da Transnordestina Logística (TLSA), controlada pelo grupo CSN, Tufi Daher Filho. O executivo afirmou ainda, durante a cerimônia, que o trecho anunciado pode ser apenas o primeiro passo para que a ligação entre Piauí, Ceará e Pernambuco, parte mais audaciosa das próximas etapas das obras, seja concluída antes de 2027, como previsto, e coincida com o fim do atual mandato de Lula, em 2026. “Nós vamos concluir porque o senhor é um obstinado. E eu também”, disse Daher Filho, dirigindo-se a Lula.

O presidente da República havia recordado que a história da Transnordestina é longa e, como de praxe na prática política quando os assuntos envolvem mais de um ente federativo, cheia de percalços. O primeiro registro, no século 20, da necessidade de construir a ferrovia foi atribuído a Celso Furtado, em 1956, segundo lembrara o ministro Renan. Pequenos trechos foram construídos, alguns abandonados, desde então.

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Renan, governador Elmano e Lula, sexta-feira (02/08), no Ceará

Lula, por sua vez, afirmou que a obra entrou em seu radar pessoal em 1989, quando da primeira campanha à Presidência de que participou. Em conversa com o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, durante viagem de avião, Arraes teria dito da importância do projeto. “Eu fiquei com aquilo na cabeça”, afirmou Lula, durante o discurso em Pecém. A partir de seu primeiro mandato, lembrou, foram dezenas de reuniões com governadores e parlamentares para dar início às obras, sempre às voltas com interesses e interpretações diferentes. “Era um inferno”, disse. Com o avanço das negociações e com a feitura de marcos legais, com participação do Congresso, Lula viu o projeto ganhar fôlego. “Imaginei que ia ser inaugurada em 2012”.

Depois de deixar a Presidência e da turbulência política que se seguiu a partir de 2016, as obras que estavam em andamento foram paralisadas. Tanto Lula quanto ministros que falaram durante o encontro no Porto de Pecém asseguraram confiança de que, a partir de agora, o projeto vai caminhar para sua conclusão.

Partiu ferrovia

Parte dessa confiança se deve ao novo formato de investimentos criado pelo FIIS. De autoria do Senado, o projeto foi aprovado em julho pela Câmara dos Deputados, com relatoria de José Guimarães (PT-CE), que esteve presente à cerimônia de sanção presidencial. A expectativa é de que o novo fundo arrecade cerca de R$ 10 bilhões, com R$ 3,6 bilhões previstos para serem aplicados na ferrovia.

A lei sancionada determina que os recursos virão de dotações orçamentárias, empréstimos com instituições financeiras nacionais e internacionais, convênios com a administração pública e de outras fontes. O fundo deverá ser administrado por um comitê gestor coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, conforme regulamento, e terá como agente financeiro o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Segundo o projeto, os recursos do fundo poderão financiar a educação infantil, a educação fundamental e o ensino médio; a atenção à saúde pública primária e especializada; a melhoria da gestão da segurança pública, além de outras atividades definidas pelo comitê gestor.

Segundo a Câmara dos Deputados, para ajudar a financiar a conclusão da ferrovia Transnordestina, o projeto também permite ao Banco do Nordeste (BnB) renegociar termos, prazos e demais condições financeiras de empréstimos cujos riscos são suportados, parcial ou integralmente, pela União, podendo inclusive realizar novos desembolsos.

Estão previstos repasses no valor de R$ 1 bilhão por ano entre 2024 e 2026, e mais R$ 600 milhões em 2027. O dinheiro permitirá a conclusão de mais de mil quilômetros de trilhos que correspondem a três trechos próximos ao Porto do Pecém, e as obras serão tocadas pela concessionária TLSA.

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Arte: Câmara dos Deputados

“A Transnordestina é a maior obra de infraestrutura do Nordeste. E vamos fazer os três braços: Piauí, Ceará e Pernambuco. Integrar a região é um compromisso. O governo passado abandonou Pernambuco na estratégia de desenvolvimento, corrigimos esse equívoco. Com esse novo aporte, a gente prevê que até 2027 concluímos a obra, mas esse evento é um convite para concluir ainda neste mandato do presidente Lula”, pontuou o ministro Renan Filho.

Lula disse que o projeto vai além da premissa de interligar o Brasil com infraestrutura produtiva. “Minha mãe teve que sair de Caetés (PE) como outros muitos para buscar sustento em São Paulo. E a vida inteira ouvi que tudo o que tinha de ruim era no Nordeste. Pior índice de alfabetização, no Nordeste. Pior índice de desenvolvimento humano, no Nordeste. Essa obra, eu dou importância a ela desde o meu primeiro mandato, para que essa região seja lembrada pelo progresso. Antes de eu deixar a presidência, quero andar na Transnordestina até esse porto!”.

O governador do Ceará, Elmano de Freitas, destacou que as novas obras estão interligadas a outro projeto sancionado pelo presidente Lula na última sexta-feira: o Marco Legal do Hidrogênio de Baixo Carbono. Este projeto inclui a adaptação do Porto de Pecém à nova fonte de energia. Parte da produção do chamado hidrogênio verde naquele porto será conectada a outras regiões pela Transnordestina. “O povo do sertão do Ceará vai transformar sol em energia e poder usar essa produção para ter renda”, afirmou o governador.

As obras da Transnordestina retomaram o ritmo acelerado em 2023, com a volta de investimentos federais. O empenho do governo é para que a entrega da Fase 1 da ferrovia ocorra até 2027 e até 2029 a Fase 2. O empreendimento é considerado estratégico para o transporte de grãos, fertilizantes, cimento, combustíveis e minério, principalmente com fins de exportação, alavancando a balança comercial brasileira.

Filhas da terra e dos trens

Duas mulheres nordestinas e engenheiras. Duas histórias que se cruzam nos trilhos da Transnordestina. Larissa Araújo, 32 anos, e Islay Lopes, 30 anos, cresceram ouvindo relatos de tios e avós sobre longas viagens de trem do interior para Fortaleza. Histórias de um tempo em que as ferrovias eram um dos principais meios de transporte de pessoas para longas distâncias. Hoje, elas trabalham juntas no planejamento e execução do maior desafio de infraestrutura do Brasil e comemoram o anúncio de recursos que serão decisivos para a conclusão deste projeto.

Larissa é de Fortaleza e o traçado da Transnordestina carrega a identidade da família dela, originalmente de Cedro e que veio para a capital trazida por antigas locomotivas. “Minha primeira relação com as ferrovias foi ouvindo histórias da minha família, que usava o trem de passageiros, uma linha da FTL antiga. A mesma linha que a gente vai passar por perto, acompanhando com o novo traçado da Transnordestina. Aquela linha foi muito utilizada pela minha mãe, assim como pelos meus tios e meus avós para vir para Fortaleza. É emocionante ver que este projeto em que eu trabalho, desta nova ferrovia, passa por uma parte da minha história, pela história da minha família”.

Quando os pais souberam que Larissa iria trabalhar no projeto da Transnordestina, a sensação foi de orgulho. “Quando eu entrei para aqui [na TSLA], meus pais ficaram muito orgulhosos tanto por ter uma filha engenheira, como por eu estar trabalhando com algo que marcou nosso passado, o trem”.

Para Islay, os olhos estão no futuro. Ela conta que nunca andou de trem e espera ansiosa ver os vagões correrem pelos trilhos da Transnordestina. “Sou do interior e minha tia contava histórias de quando ela andava de trem. Eu nunca andei, não tem muitos hoje, mas trabalhar nessa ferrovia é ver o projeto saindo do papel. E quem sabe um dia eu não ando também nos trens da Transnordestina”. O trabalho dela envolve cálculo de orçamento das obras. “Meu sentimento hoje é de orgulho e felicidade. Estou muito feliz, vai chegar verba. O resultado disso é a obra saindo”, comemora.

O que é a Transnordestina

O projeto da Transnordestina conta com 1.209 quilômetros de extensão na linha principal, que liga Eliseu Martins, no Piauí, ao porto do Pecém, no Ceará, passando por Salgueiro, em Pernambuco. Também estão previstos 548 quilômetros de trilhos partindo de Salgueiro em direção ao Porto de Suape, em Pernambuco. Este braço da ferrovia havia sido excluído do contrato de concessão na gestão anterior. Em 2023, o governo federal decidiu pela inclusão do traçado no Novo PAC e agora há previsão de que sejam destinados R$ 450 milhões para este ramal.

O Ministério dos Transportes, por meio da Infra S.A., publicou o edital de contratação da empresa que será responsável pelo projeto executivo de engenharia para implantação desse trecho pernambucano em abril deste ano. Uma vez concluída, esta parte da ferrovia vai permitir o escoamento de produtos do Agreste de Pernambuco e da região do Araripe, importante polo gesseiro. O ramal ainda é considerado fundamental para a economia dos estados vizinhos da Paraíba e Alagoas.

Com informações do MTransp e da Câmara dos Deputados